segunda-feira, 7 de setembro de 2015

No caminho havia uma pedra

palestra com Sérgio Abranches e Xico Sá, mediada por Humberto Werneck

No caminho havia uma pedra

Deveria utilizar de sólidos fundamentos, em prosa e verso, para convencer o marido a acompanha-la àquele Festival Literário, onde a escritora gaúcha Lya Luft, homenageada do evento, também Nélida Piñon, Marina Colasanti, Xico Sá, Míriam Leitão, Frei Betto, Léo Cunha, Humberto Werneck, Afonso Borges, Dirceu Ferreira, Lucrécia leite, Luiz Ruffato, Paula Pimenta, Pasquale Cipro Neto, Sérgio Abranches, Leila Ferreira, o escritor português Gonçalo Tavares e muitos outros - quase sessenta autores – estariam presentes nos cinco dias de evento.

Havia dez anos da última visita dele na cidade. Motivos compassivos de padecimento sentimental. Razão que a fez empregar especial tática de persuasão. Mas, duas semanas depois, a indefinição do marido a deixava aflita, dada a urgência em reservar  hotel.

Como última tentativa, ela mencionou com entusiasmo o espetáculo musical: “Mineiramente”, com o grupo Ponto de Partida. Abraçados pela poesia de Drummond, a fala de Guimarães Rosa, a música de Milton Nascimento, Fernando Brant, Tavinho Moura e ao som de clarineta, piano, bateria e vozes, o grupo desafiaria o público a descobrir possibilidades de encantamento e beleza, estimulando um novo olhar sobre o cotidiano.  Outro motivo, colocado para ele sem rodeios, seria seu olhar observador sobre a produção do Festival, como fator diferenciador na execução do evento que ela e outros, de São João, se engajavam produzir – assunto merecedor de maiores comentários em outro momento.

- Ele aceitou os argumentos, dizendo: está bem, vamos a Araxá!

Ela sorriu. Riu alto. Abraçou-o e o agradeceu por ter passado por cima do inaudito que o fazia se distanciar da cidade, garantindo-lhe – mesmo sem ter certeza disso - passariam excelentes dias na urbe.

Partiram na sexta-feira. O tempo da viagem foi consumido com conversa leve e assuntos corriqueiros, em que não faltaram observações sobre a situação crítica da economia do país e do desmando político. Quando chegaram em Araxá era início de noite. Como crescera a cidade! Ele observou. Vida noturna intensa. Cem mil habitantes, segundo o censo. Não passavam de oitenta mil, há dez anos! Enfatizou.

O marido apresentava a ela cada ponto, como se não os conhecesse. Deixou-o falar. Era a conexão dele com o local quase varrido de sua memória.

O jardim em frente à estação de trem, onde ele brincara quando moleque jogando futebol com os amigos, fora refeito. Dentro do prédio da estação, revitalizado e sem funcionamento para esse fim, funcionava a Fundação Cultural Calmon Barreto que, nesta data, recebia o Fliaraxá.

Entraram no complexo, com enormes tendas e as mais variadas cenografias. Cadastraram-se ganhando pulseira de visitantes. Assistiram no auditório principal à palestra de Frei Betto e, em seguida, do escritor português Gonçalo Tavares com José Paulo Cavalcanti Filho, mediada por Afonso Borges. As duas palestras estiveram lotadas, com pessoas sentadas do lado de fora do auditório.

Alguns poucos conhecidos cumprimentaram-no e, de lá, eles saíram direto para o teatro, para o show “Mineiramente”, que foi fantástico! Exatamente como o imaginaram.

O que ele não imaginava era a rodoviária, que ficava no final da rua da Igreja Matriz de São Domingos, ter cedido lugar ao monumento, há três anos.

A cidade está perdendo a identidade, ele comentou. Ela, nada disse.

No sábado, com céu azul claro e tomado por brancas nuvens, a cidade amanheceu convidativa a reencontros. Além da irmã, em momento emocionante, ele reencontrou velhos amigos, no Festival. Os irmãos escritores Dirceu e Leila Ferreira, que iriam se apresentar, mediados por Humberto Werneck. Assistiram à palestra, é claro! O auditório esteve lotado de araxaense. Ao final, boas conversas regadas a nostalgia, muitas risadas e a alegria estampada no rosto. Os assombros haviam cedido lugar à alma lavada por abraços calorosos, boas recordações e suave saudade,  dos pais.

Aliviada, com a tranquilidade do marido, ela pode assistir aos debates e palestras que se propusera. A de Miriam Leitão, depois a de Celso Adolfo e Pasquale Cipro Neto e, em seguida, a de Lya Luft e Nélida Piñon.  Fotografou tudo o que imaginou seria importante como lembrança para ela e de referência para o grupo. Filmou alguns trechos das palestras.

A noite foi finalizada na casa da irmã dele.

No domingo, dia de encerramento do Festival, grande acontecimento às onze da manhã, entre Lya Luft, Marina Colasanti e Miriam Leitão falando da aventura de escrever para crianças. Palestra mediada por Leo Cunha, com auditório lotado. Valeu a pena ter ficado na cidade para assisti-la, comentaram. Mas, para o encontro com Maurício de Sousa não foi possível. Era preciso retornar.

Houve silêncio no carro durante o trajeto de saída da cidade. Sucinto despedirem-se sem muitas palavras, apenas com o olhar. 

Mas, ele disse - até breve! E ela o observou, guardando um sorriso para si.

Partiram.

De repente, faziam retrospectiva do Festival, de tudo o que viram e vivenciaram em Araxá. Ele se professou aliviado por ter resgatado a paz interior.

Riam, e, assim poderia ter sido toda a viagem de volta, não fosse um pneu furado há pouco mais de quarenta quilômetros da chegada, quando o sol se punha, em uma área sem sinal para celular.

Não houve alternativa, ele arregaçou as mangas da camisa e iniciou a troca de pneu. Depois de enorme batalha com a barriga – que em nada o ajudava a executar a tarefa - e com a noite que entrava rapidamente, teve certeza da necessidade de combater mais este vulto.  Faria rigorosa dieta. 

Agradeceu por ela ter descido do salto e o ajudado a trocar o pneu. - Sem sua ajuda não teria conseguido, ele afirmou.

Ela afagou-o com o olhar. Tinham apenas trocado favores.

Lucelena Maia
07 de setembro de 2015
São João da Boa Vista




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